Quando a apresentação ofusca o presente, o presente perde-se no papel de embrulho.
Na verdade, perdi um presente este ano nas pilhas de papel de embrulho dos presentes que tinham sido abertos. Entre laços de fitas e caixas, papel de seda e enfeites, um presente da nossa filha Joy desapareceu e nunca foi encontrado. É certo que era pequeno; felizmente não foi caro, mas para mim, é uma metáfora perfeita para o Natal como o conhecemos e celebramos. Distraídos com o brilho das luzes de Natal e o cintilar dos enfeites, os apelos publicitários e as narrativas nostálgicas que nos assaltam a cada momento, perdemos o nosso presente no meio do lixo das embalagens que não precisamos mais e deitamos fora.
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Tenho uma confissão a fazer. Sou um pouco ambivalente em relação ao Natal. Será que estou só ou há outros por aí que sentem o mesmo? Bem sei que pode haver graus de ambivalência, mas qualquer pessoa que partilha a opinião “Bah-Humbug” de Ebenezer Scrooge não é nada ambivalente, e há aqueles que se opõem terminantemente ao Natal devido a profundas convicções religiosas. Eu não sou destes.
Basicamente, estou a falar comigo mesmo e convido vocês a acompanhar-me nestes pensamentos. Talvez você já tenha tido alguns dos mesmos pensamentos. Ou talvez não.
Aqui, como em tudo na vida, tento orientar meus pensamentos, aplicando a regra: "A Bíblia diz alguma coisa sobre este assunto? Em caso afirmativo, o que é que diz?" Paulo escreveu a Timóteo: "Propondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, nutrido pelas palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido". (1 Timóteo 4.6) Em seguida, ele continua no versículo 7: "mas rejeita as fábulas profanas e de velhas." Outra versão diz, “rejeita as fábulas profanas e os falatórios dos insensatos”. Repetidamente, Paulo exorta Timóteo a concentrar-se na sã doutrina.
Vamos ver...o que não se encaixa neste quadro?
Parece-me que isso elimina muito do que identificamos com a época natalícia que não se encontra em parte alguma da Bíblia: Pai Natal, duendes e renas, árvores de Natal, visco, luzes e festas, e trocas de presentes, para citar alguns exemplos de " falatórios dos insensatos " ou "fábulas folclóricas de velhas". Se tirarmos tudo isso, o que resta da nossa experiência de Natal? Ficamos com a parte que nós, como cristãos que seguimos a Bíblia, podemos chamar de “A Verdadeira História do Natal”. Essa história é contada em canções tradicionais, sermões, presépios e peças de teatro em igrejas e nos milhões de cartões de Natal que retratam cenas da história do Nascimento de Jesus.
Talvez seja preciso editar a narrativa do Nascimento de Jesus...
Mas, quanto dessa história de Natal em si é apenas uma história? Usando o texto bíblico como diretriz, começo a podar os ramos mortos da tradição humana desta árvore de Natal. Os três Reis Magos são os primeiros a serem retirados da cena da manjedoura... Quem disse que foram três? É um número conveniente que coincide com as três ofertas de ouro, incenso e mirra, mas o ponto ainda mais flagrante é que os magos nunca viram o estábulo onde Jesus nasceu. Estavam no oriente e viram a Sua estrela, e sómente quase dois anos depois chegaram ao palácio de Herodes em Jerusalém. Afinal, isto era onde presumiam que o rei dos judeus deveria nascer. Herodes apanhado completamente desprevenido com esta notícia e acabou por tomar medidas para eliminar o seu potencial rival. A matança dos bebés com menos de 2 anos em Belém e o exílio de José e Maria no Egito durante algum tempo é a parte que fica de fora na habitual narração da História de Natal. Omitir essa parte nas peças apresentadas nas igrejas é compreensível, desde que não a deixemos de lado em nossa leitura e pensamento sobre o nascimento de Jesus. Outras passagens no NT se referem a esta parte também.
...e os cartões de Natal também
E o que dizer sobre todos os cartões de Natal que presentam a estrela conduzindo três homens solitários em camelos pelo deserto? Em primeiro lugar, os Reis Magos teriam viajado em uma caravana com dezenas de camelos, carregando suprimentos e fornecendo proteção contra ladrões. Em segundo lugar, eles não precisavam da estrela para chegar ao palácio do rei em Jerusalém. Adaptando o ditado: "Quem tem boca, vai a Jerusalém". Mas lá lhes foi dito que segundo as profecias, o Rei que procuravam deveria nascer em Belém. Não era uma cidade grande, mas mesmo assim, como é que eles iam encontrar um certo menino de 2 anos agora entre os muitos a viver em Belém? Ele não era um recém-nascido deitado em uma manjedoura; Ele era um menino com quase 2 anos de idade que morava em uma casa. E agora?
"Tendo eles, pois, ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela que tinham visto quando no oriente [Não foi a estrela que tinham seguido do oriente] ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar [não diz “estábulo”] onde estava o menino. Ao verem eles a estrela, regozijaram-se com grande alegria. [Afinal, a sua longa viagem não foi à toa!] Lição: Quando realmente seguimos a orientação de Deus, Ele vai assegurar que teremos todas as informações de que precisamos no momento em são precisas, possivelmente em cima da hora, mas sempre a tempo de fazer o que Ele nos pediu.
E entrando na casa, viram o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram. (Mateus 2.9-11)
Voltando para trás para endireitar a narrativa
Agora vamos fazer “rewind” neste vídeo e recuar alguns anos na história até quando José e Maria vieram a Belém. O anjo apareceu a Maria em Nazaré anunciando que ela tinha sido escolhida por Deus para ser a mãe virgem do Messias; o anjo então apareceu a José mais tarde, quando ele hesitou em tomar a Maria grávida como sua esposa; no terceiro lugar, houve o decreto de César que os obrigava a regressar à sua terra natal, Belém, para serem registados para efeitos fiscais. Esses elementos-chave da história estão registrados no evangelho, mas a partir deste ponto da narrativa, começamos a vagar pela terra do folclore e das fábulas para preencher os detalhes omitidos no texto bíblico. O drama aumenta quando José e Maria chegam de noite em Belém e em vão procuram desesperadamente um quarto. Porta após porta está fechada na cara. Maria, afinal, está grávida de nove meses e acaba de andar mais de 100 km num burro. Seu único recurso é procurar abrigo em um estábulo e colocar o bebê recém-nascido em uma manjedoura. É uma história deveras dramática! Mas será verdade? Foi assim que realmente aconteceu?
O burro e o estalajadeiro bruto
E se, afinal, nunca houve o "Pequeno Burro" de Maria, tão popular na tradição Nataliça? É muito mais provável que Maria tenha andado à pé, como todos os outros que percorriam aquela estrada até Jerusalém e daí até Belém. E não há nenhuma razão na Bíblia para acreditar que Maria e José fizeram a viagem em cima da hora. Há alguns anos atrás, li um artigo de um missionário que havia trabalhado muitos anos em Israel. Conhecendo os costumes do povo, ele acredita que quando José soube que eles tinham que voltar para a cidade natal de sua família, ele naturalmente teria voltado "para casa" e encontrado alojamento com seus familiares.
E até que ponto estava Maria na sua gravidez? A Bíblia diz: "4 Subiu também José, da Galiléia, da cidade de Nazaré,,... a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. 6Enquanto estavam ali , chegou o tempo em que ela havia de dar à luz." (Lucas 2.4-6) Maria pode ter passado os últimos mêses da sua gravidez em Belém à espera do nascimento do seu Filho.
"Mas e o facto ‘não havia lugar para eles na estalagem'?", perguntamos. O missionário ressaltou que a palavra traduzida como " estalagem'" na verdad e significa "quarto de hóspedes”. Esta é a primeira definição dada nos dicionários da língua original. As casas foram construídas de tal maneira que o gado ficasse guardado no piso térreo e a habitação ficasse por cima do estábulo. Normalmente havia um "quarto de hóspedes" para viajantes que passavam ou a família que chegou de visita. Com toda a família da linhagem de David obrigada a deslocar-se a Belém para o censo, não é de admirar que os quartos estivessem cheios. Devido ao fluxo de visitantes, o estábulo teve que ser transformado em um quarto de hóspedes extra, e eu arrisco dar um palpite e dizer que havia outras casas que fizeram a mesma coisa. E foi no estábulo que os pastores foram informados por anjos que encontrariam o menino Jesus deitado numa manjedoura.
E o estábulo mal cheiroso?
Vi um artigo na internet esta semana com uma imagem da cena do estábulo que fez uma referência ao cheiro que a Sagrada Família naturalmente deve ter suportado. Se o estábulo tivesse sido transformado para uso como um quarto de hóspedes extra, não há razão para acreditar que era fedorento e desconfortável. E os animais, então? Todos sabemos que Jesus não nasceu em 25 de dezembro, e muito provavelmente Ele nasceu no final do verão ou início do outono. Os pastores guardavam os seus rebanhos nos campos, não os abrigando do frio do inverno nos estábulos. Não há indícios de que José e Maria partilhassem os seus aposentos com vacas, ovelhas, cabras ou um burro. Lá vai uma parte significativa da imagem do presépio que criámos na mente. Afinal, o que é um presépio sem vacas, ovelhas e burro? Pastores estavam lá, claro, mas sem reis e camelos, não é a mesma coisa. E, já agora, não se faz qualquer referência à estrela a brilhar sobre o estábulo. O coro de anjos que apareceram aos pastores é o único sinal celestial mencionado, e eu acho que isso é mais impressionante do que ver uma estrela.
Depois de apontar os acréscimos não bíblicos à História de Natal, admito que acabei de sugerir algumas outras. Eu acredito que estes sejam mais consistentes com a cultura e forneçam uma melhor compreensão do que realmente aconteceu, mas lembre-se de que eles são minhas palavras, não a Palavra inspirada de Deus.
Então, o que nos resta de Natal?
Então você vê por que eu sou ambivalente sobre toda essa coisa de Natal, incluindo a tradicional narrativa da História do Natal, e não apenas os resquícios festivos das tradições pagãs. Reduzida aos factos apresentados nos evangelhos, a história perde muito do seu apelo de interesse humano, mas o que resta é precisamente o que há de mais importante neste acontecimento histórico. Nesta quadra, o que é verdadeiramente essencial e central fica enterrado por figuras do Pai Natal e sacos de compras; a verdadeira luz que veio ao mundo (João 1.9) perde-se no brilho das extravagantes exibições de luz feitas por homens. A oferta eterna e celestial acaba perdida nas embalagens.
Talvez esteja desapontado, ou até mesmo chateado comigo, porque o Natal em si não me entusiasma como aparentemente faz à maioria das pessoas. Mas lembre-se do que é o Natal, em essência: é o conjunto moderno das celebrações pagãs do solstício de inverno, com luzes, velas e presentes, e suas tradições variam de cultura para cultura e de hemisfério para hemisfério. É o nascimento de Cristo que me deixa prostrado e maravilhado diante de Deus. Essa é a história que é imutável, e nunca muda, não importa qual seja o século, continente ou contexto cultural. O relato mais profundo daquilo que realmente aconteceu aquela noite em Belém encontra-se em João 1.1-3, 14 "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez... E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós" Em outras palavras, Ele era "Emanuel", Deus conosco.
Nesta quadra em que a gente limpa a casa, faz bolos, e sai para fazer compras, já parámos para meditar sobre o que realmente aconteceu naquela noite? Duvido. Por um lado, nossas mentes mortais não podem compreendê-lo plenamente. Mesmo enquanto escrevo isto, percebo quão pouco meditei sobre o significado desse nascimento há mais de 2000 anos. O mundo está sempre à procura de um motivo para festejar, e este é um bom pretexto, mas a maioria das pessoas nunca pára para ponderar o significado real daquele nascimento. Afinal, eles estão celebrando o Natal, que essencialmente não tem nada a ver com o nascimento de Jesus .
A história deste nascimento é apenas o primeiro capítulo da vida terrena do Deus-que-se tornou-Homem, que culminaria em Sua morte na cruz por nós, Sua ressurreição dos mortos para a nossa justificação, e Sua exaltação à dextra do Pai para ser o Juiz dos vivos e dos mortos. A história do nascimento de Jesus é a verdade imutável que deve ser proclamada em todas as culturas, línguas ou latitudes. Por mais milagroso que nos pareça qualquer nascimento no momento em que um bebé respira pela primeira vez e o seu choro anuncia a sua chegada entre nós, nunca houve outro bebé como aquele que nasceu naquela noite em Belém.
Para finalizar, só para esclarecer qualquer dúvida que possa permanecer: Gosto eu do Natal? Claro. Eu não sou Grinch. Gosto-o pelo que é: as luzes e as árvores são lindas, embora as figuras bobas do folclore e das fábulas não me excitam nada. Gosto de dar (e receber) presentes. Gosto de reuniões familiares tanto quanto qualquer outra pessoa sente. Abbie faz belos arranjos florais usando os vários elementos que são tradicionais nesta quadra. Estas são experiências agradáveis. Eu gosto do Natal, mas não o celebro.
Precisamos ajudar outros a ultrapassar todas as camadas de enfeites que são usados para embrulhar este presente indizível
O que eu celebro é o nascimento de Cristo. Cantamos certas canções nesta altura do ano, não porque sejam mais verdadeiras em dezembro do que em agosto, mas porque outros ao nosso redor podem estar mais abertos agora para ouvir a história real de como o Verbo eterno assumiu a natureza humana e por que Ele fez isso. Precisamos ajudar outros a ultrapassar todas as camadas de enfeites que são usados para embrulhar este presente indizível, para que eles não acabem perdendo o próprio presente no meio de todo o seu embrulho. A minha oração é para que estas pessoas venham perceber através de toda esta confusão e se maravilhar com o que significa o facto de o Criador de todas as coisas ser reduzido a uma célula no ventre de Maria, e depois duas, depois quatro... e nove meses depois nascer como um de nós. João escreveu que Jesus, como Criador de tudo, é a fonte de toda a vida, "n'Ele estava a vida", mas naquela noite em Belém, o Verbo preexistente nasceu como um homem a quem se deu o nome Jesus, e quando Ele teve que começar a respirar o próprio ar que Ele criou para poder viver como homem, para que pudesse eventualmente morrer como homem. Ponderemos isso e adoremos maravilhados.
Agora sabem porque o Natal não me impressiona muito.
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